Implementado há quatro meses, o programa federal Terra Legal, que pretende regularizar cerca de 67,4 milhões de hectares da União na Amazônia, já detectou tentativas de uso de laranjas, falta de estrutura e boicotes de fazendeiros e administradores locais.

É o que diz relatório da rede de inteligência fundiária, do próprio governo federal, ao qual a Folha teve acesso.
Composta por Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Polícia Federal, Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia) e Ministério de Desenvolvimento Agrário, dentre outros órgãos, a rede foi criada para impedir tentativas de fraude no programa -criticado por ambientalistas por supostamente possibilitar a legalização de terras públicas griladas.

O documento sobre as “dificuldades de implementação” do Terra Legal avaliou o trabalho realizado nas cidades de Ulianópolis, Paragominas, Marabá e Novo Repartimento. Os quatro municípios ficam no Pará, o Estado com o mais agudo conflito agrário do país. As análises do relatório se referem à primeira fase do programa, iniciada em junho nos 43 municípios que mais desmatam na Amazônia.

Em Ulianópolis, em apenas dois dias de acompanhamento, em julho, a rede detectou uma espécie de boicote por parte do prefeito, Jonas dos Santos (PTB), e de um “consórcio” de grandes proprietários rurais. Santos, além de não ceder ônibus em número suficiente para levar colonos até o local onde ocorria o cadastramento para o programa, espalhou que os “atendimentos oferecidos não seriam prestados” de fato, segundo o relatório.

Ao mesmo tempo, pequenos produtores e assentados próximos às terras de alguns fazendeiros foram “avisados” pelos grandes proprietários de que não deveriam se cadastrar, sob o risco de sofrer represálias. A reportagem não conseguiu localizar Santos e nenhum representante dos fazendeiros. Em Paragominas, onde ocorreram “inúmeras dificuldades”, homens de aproximadamente 20 anos apareceram dizendo ser donos de lotes recebidos de seus pais -possível tentativa de desmembrar grandes fazendas ilegais para regularizá-las em separado. Outros levavam os documentos de suas supostas mulheres para conseguir iniciar o processo de titulação. Quando era dito a eles que retornassem com elas, não o faziam. Para o relatório, esses são “indícios de utilização de laranjas”.

Na mesma cidade, houve problemas com a própria estrutura do programa: desde “escassez de equipamentos eletrônicos”, como computadores e impressoras, até quantidade insuficiente de gente para realizar o serviço e demora no pagamento de diárias. Problemas parecidos foram identificados em Marabá, com o acréscimo de falta até de cartilhas que explicassem aos posseiros o que fazer. Outro ponto que atrapalhou as ações foi a falta de apoio de funcionários do Incra (Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária), segundo o relatório. O órgão nega. Segundo Carlos Guedes, coordenador do Terra Legal, o relatório teve como objetivo apenas mostrar o ambiente que os técnicos enfrentarão, e os problemas citados aconteceram no início da implementação, mas hoje estão em sua maioria resolvidos. “De julho para cá, vários desses elementos que a gente enfrentou foram reconstituídos positivamente”, disse ele.

Os “desafios” atuais, disse, se referem à contratação das empresas para fazer o chamado georreferenciamento (localização por coordenadas geográficas) das áreas e à modernização dos cartórios, para dar segurança jurídica aos títulos que forem dados a posseiros. Marco Antonio Delfino, um dos procuradores da República que fiscalizam o programa, discorda. Para ele, o governo está subdimensionando as dificuldades da regularização fundiária na Amazônia.

João Carlos Magahães
Agência Folha