JAIRO MARQUES

“Algumas vezes, dei a vocês o céu, em outras vezes, dei o inferno, mas dei a vocês tudo de mim”

A MÚSICA era da década de 1970, “Without You”, de Harry Nilson, mas fez estremecer qual vara verde o rapagão roqueiro James Durbin, 22, que chegou a não conter uma choradinha, ao vivo, no palco, enquanto soltava o vozeirão no verso “I can’t live if living is without you”, algo como “Eu não posso viver, se for viver sem você”.
Não era para menos, convivendo com um tipo de “autismo leve” -seja lá o que isso represente, é dose para elefante- e tendo uma filha pequena e família para sustentar, James nunca parou em emprego nenhum por causa de seus surtos. Para completar a desgraceira, o pai morreu de overdose, e a pobreza era sua realidade em Santa Cruz, na Califórnia.
Mas, de repente, lá estava ele entre os finalistas de um dos programas de maior audiência da TV norte-americana, o “American Idol”. É, estava. James, apesar de jamais ter sido “ameaçado” durante o concurso -amealhou 72 milhões de votos ao longo da competição-, caiu na última semana durante o “top four”.
Admito que meu coraçãozinho ficou miúdo tanto por ver o meu favorito fora da disputa quanto pelas lágrimas incontidas de Jennifer Lopez, jurada da competição.
Em todas as apresentações, James, como ele mesmo definiu na despedida, desconstruiu a lógica certinha do reality e foi uma explosão de emoções: “Algumas vezes, dei a vocês o céu, em outras vezes, dei o inferno, mas dei a vocês tudo de mim”. Ah, não é lindo?
Admiráveis foram as tentativas de concentração do garoto para tentar bloquear as manifestações do autismo. Mas elas estavam com ele a todo instante, e não havia edição capaz de disfarçá-las, o que era uma “belezeira” de ver.
O garoto fez propaganda da Pepsi, sendo o programa patrocinado pela Coca-Cola, pirou com atores de luta livre que foram macacar no programa, fez tudo ao contrário do que indicaram os preparadores artísticos, falou quando não devia, teve tiques piscando os olhos sem parar e abrindo a boca sem sentido.
“Ah, então, por que ele não ganhou, tio?” Devido aos piripaques da síndrome, não foi. Aposto firmemente na pieguice do “capricho do destino”. Igual ao de Jennifer Hudson, derrotada no mesmo programa, já com as digitais na taça e, mais tarde, ganhadora de um Oscar. Tem também Susan Boyle… E, para ficar do lado de cá do Equador, a “perdedora” do falecido “Fama”, que se tornou revelação da MPB, Roberta Sá.
Mas o que acho melhor na história de James, que loguinho estará abalando nos Woodstoks da vida, é que a humanidade ganha mais uma prova de que estrago físico, esquisitices intelectuais e desregulamento sensorial não determinam sucesso, talento e capacidade de ir adiante. E, para isso, não é preciso falar sobre a batida “superação”, sinto desapontar. Para isso, é preciso oportunidade, condições e igualdade de direitos.
Contar piadas de “despirocados” que vivem na “Casa dos Autistas” ou de cadeirante pagando de aproveitador ou mesmo do ceguinho esperto que tira onda da mocinha é humor de que se ri sem saber. Bacana seria ver o humor retratando os “estropícios” que riem à toa por serem ídolos da América.
No blog, tem o James rasgando a fantasia e fazendo aquilo que um autista/artista/deficiente pode fazer: brilhar. Vai lá?

Fonte: Folha de S. Paulo