Por Pedro César Batista
Brasília, marco da arquitetura moderna, capital pensada por José Bonifácio, chega aos cinqüenta anos transpirando amor e ódio, cheia de contradições e com fortes características de um grande shopping center. A cidade que, segundo alguns, será salva das catástrofes naturais, com os escolhidos, usuários de seus encantos e belezas, em suas alamedas floridas, arborizadas e o Lago Paranoá, com suas belas margens servindo aos mesmos que serão salvos, mantêm à margem os que não podem comprar os produtos e serviços oferecidos.
Resultado do trabalho dos candangos e da ousadia de um governante, que conseguiu no meio do nada levantou uma cidade, tornou-se símbolo de ostentação. A cidade planejada, depois de 50 anos de sua fundação, superou em muito seu projeto inicial. Pensada para ser uma cidade com fortes relações humanas, onde a vizinhança tivesse a oportunidade de se (re) encontrar no comércio da quadra, nos clubes das quadras, nos locais de trabalho e lazer, em seus inúmeros parques. A solidão dos grandes centros, nesse mundo contemporâneo, transborda nas avenidas da capital federal.
Seis meses após sua inauguração Sartre e Simone de Beauvoir passaram alguns dias na cidade que nascia. Simone registrou: “Guardo a impressão de ter visto nascer um monstro, cujo coração e pulmão funcionam artificialmente, graças a processos de um custo mirabolante.” Cresce a indefinição do que seja de fato essa bela cidade, cosmopolita e interiorana, com coronéis de todas as partes, misturando cores e lados.
Seus moradores cada vez mais se portam como consumidores, tendo como Deus o vil metal. Até as bandas internacionais de pop stars descobriram a mina para vender shows. As largas avenidas são ampliadas e recebe complexos viários como presente de aniversário. O criador desse novo canteiro de obras aproveitou para cobrar propinas e terminou na cadeia. O vice-governador, especulador imobiliário, teve que renunciar para não acabar fazendo companhia ao principal chefe da roubalheira.
Os habitantes da cidade shopping center têm acesso aos bens de consumo da melhor espécie, uma qualidade de vida que todos os humanos merecem. Essas características possibilitam fazer esse paralelo, quem mora em Brasília, ou seja, no Plano Piloto, possuindo bons empregos, tem acesso à arte, a cultura, a educação, a viagens, planejamento familiar, crescimento intelectual e excelente qualidade de vida. Quem não pode se sacode, não tem transporte coletivo, não tem saúde, trabalha em subempregos e recebe educação de péssima qualidade.
Como um shopping center Brasília existe, muitas luzes, bons produtos, segurança, cultura e vida. O aeroporto possui um enorme fluxo, diferenciando-se da rodoviária central, onde milhares de trabalhadores lembram um formigueiro entrando nos ônibus sujos, velhos, lotados e caros. Quem tem poder econômico usufrui de seus serviços e produtos, quem não tem poder aquisitivo é serviçal, força subalterna dos habitantes da capital federal. O sonho de seu pensador virou a força do consumo e do capital, resultando em representantes corruptos e cínicos.
Em sua nova etapa a cidade precisa servir a todos os seus habitantes, permitir que suas alamedas, suas casas de espetáculos e shows, sua qualidade de vida, seu belo horizonte, suas flores, atendam e sirvam ao conjunto da população. A cidade não merece ser o shopping center da minoria que ostenta poder e privilégios. A vida oferecida pela cidade tem que ser justa, solidária e coletiva, incluindo os filhos e filhas dos candangos que construíram a cidade. A sede do poder brasileiro precisa ser exemplo ético e de dignidade humana.