Quando contemplo o incorrigível Kim Jong-il, um insulto proferido pelo cineasta Billy Wilder me vem à memória. Leon Wieseltier, editor da revista “New Republic”, estava jantando com Wilder, anos atrás, quando a conversa passou a girar em torno do baixinho empresário Swifty Lazar. Repousando o garfo e a faca sobre a mesa, Wilder proferiu: “Aquele sujeito deveria se enforcar em uma árvore bonsai”.

Sabe-se que o diminuto líder da Coreia do Norte usa saltos especiais em seus sapatos. E, desta vez, ele exigiu estatura especial na forma de uma visita diplomática pelo marido da principal diplomata americana. Infelizmente não havia bonsais à vista. Os dois líderes posaram, rígidos e desconfortáveis, diante de um mural que retratava ondas do mar.

Os sorrisos cintilantes de Kim Jong-il não foram retribuídos por Bill Clinton. Foi estranho ver o recluso Kim tão ávido e o descontraído Clinton tão disciplinado. No entanto, tanto o sorridente líder norte-coreano quanto o carrancudo ex-presidente dos EUA estavam saboreando o momento comum de relevância.

O preço estipulado por Kim para a libertação de duas jornalistas americanas capturadas, Laura Ling e Euna Lee, eram algumas horas de brilho refletido na presença do ex-presidente que mais desejava visitar a Coreia do Norte. Bill Clinton se mostrou disposto a fazer as mesuras requeridas, mas não a exibir servilidade.

Hillary causou uma controvérsia internacional ao dizer que, como mãe, compreendia que os norte-coreanos se comportavam como crianças indisciplinadas cujas traquinagens eram simplesmente uma forma de atrair atenção. Agora, só duas semanas mais tarde, essas pestes infantis conquistaram toda a atenção de seu marido.

Talvez tudo tenha sido um inteligente complô norte-coreano de vingança, já que colocar papai sob a luz dos refletores representaria uma punição para mamãe. No exato momento em que Hillary forçava seu retorno a uma posição de destaque, superando os problemas de seu cotovelo quebrado e atraindo a atenção que vinha sendo dedicada aos seus pomposos enviados, ela terminou expulsa de cena por um enviado ainda mais poderoso: o homem com quem ela vive.

Foi um momento único nos anais da diplomacia. Clinton estava sendo elogiado como um estadista deslumbrante que talvez tenha posto fim ao clima tempestuoso entre os EUA e a Coreia do Norte, enquanto Hillary iniciava uma viagem de 11 dias à África cujo objetivo era destacar os assuntos com os quais ela mais se preocupa: causas desenvolvimentistas e questões femininas.

E a pessoa que responde pelos assuntos mundiais desapareceu das notícias o dia inteiro, na terça-feira, enquanto aquela que não tem mais cargo oficial dominava as notícias. O avião dele está decolando do aeroporto de Pyongyang e traz a bordo as duas mulheres perdoadas? Nossa!

Clinton, além disso, pôde desfrutar de um momento de alegria maldosa por saber que havia suplantado três homens com os quais mantém relacionamentos complicados -Bill Richardson, Jimmy Carter e Al Gore- ao obter a vistosa missão de resgatar as donzelas em perigo.

Richardson se viu reduzido ao papel de comentarista da CNN e elogiou Clinton por seu comportamento no quesito protocolo: “O fato de que ele tenha se encontrado com Kim Jong-il é muito importante. O líder só se encontra com figurões e chefes de Estado”. É divertido especular se Clinton e Kim discutiram a troca de insultos com Hillary. (A Coreia do Norte rebateu a críticas da secretária de Estado definindo-a como “uma senhora esquisita” e afirmando que ela “às vezes parece uma aluna de escola primária e às vezes uma aposentada fazendo compras”.) Pode-se imaginar o charmoso Clinton colocando as coisas em perspectiva: “Não se incomode com isso, Kimmie. Ela é uma mulher maravilhosa, mas de vez em quando fala demais.

Você deveria ouvir do que ela me chama quando se irrita. De adolescente desordeiro”. Os conservadores ficaram furiosos, naturalmente, e alegaram que a viagem de Clinton ofereceria cobertura propagandística para que os norte-coreanos continuassem com sua trapaça nuclear. “A despeito de décadas de retórica dos dois partidos nos EUA sobre não negociar com terroristas para obter a libertação de reféns”, escreveu John Bolton no site do jornal “Washington Post”, “ao que parece o governo Obama não só escolheu negociar como enviar um ex-presidente para tanto”.

Mas os antigos valentões da equipe de Bush não têm qualquer credibilidade diplomática. Passaram oito anos arruinando a situação, e o placar que deixaram foi de 6 a 0 para a Coreia do Norte: nenhum encontro com Kim e combustível nuclear suficiente para seis bombas.

Clinton trará informações valiosas sobre a saúde física e mental de Kim. Se tivéssemos o mesmo tipo de informação sobre Saddam Hussein em 2003, saberíamos que ele já estava em sua espiral de queda, tentando blefar contra seus vizinhos, e que não havia necessidade de choque e espanto.

Hillary e Obama parecem maiores quando dividem o palanque com outros agentes talentosos. E Obama e Clinton podem enfim ter começado a relegar suas divergências ao passado sem a necessidade de posar para fotos em uma cúpula da cerveja.

MAUREEN DOWD
DO “NEW YORK TIMES”
Tradução de PAULO MIGLIACCI