O tema “UHE Santo Antônio: paradigma nos estudos de impactos sociais e ambientais” foi abordado durante o VI Seminário Internacional de Sustentabilidade pelo representante da MESA – Madeira Energia S/A, Eng. Antônio de Pádua Guimarães(Diretor Técnico).
Para comprovar que o Projeto das Usinas do Madeira já começou quebrando paradigmas, o palestrante Antônio de Pádua iniciou fazendo um comparativo entre o tempo e o percurso do licenciamento ambiental de projetos do gênero. Na década passada, por exemplo, dentro de no máximo três anos era possível concluir os estudos necessários ao licenciamento ambiental. No caso do Projeto Madeira, devido ao maior rigor da legislação vigente, o trâmite levou entre sete anos para ser concluído. Esse é o tempo médio necessário para a aprovação de projetos desse porte também nos países da Europa, o que nos dá uma idéia do cuidado que se passou a ter com o meio-ambiente.
A primeira coisa que se faz hoje no Brasil, para dar início a um projeto como esse, é requerer à ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, a autorização para a realização do estudo de inventário. Com essa autorização contrata-se a engenharia e a equipe de consultoria em meio-ambiente que, conjuntamente, definem o inventário do rio. Esse inventário é que define onde serão colocados os barramentos, levando-se em conta a melhor relação ambiental/energética, custo/benefício. No caso do Projeto Madeira os barramentos indicados no inventário realizado no ano de 2002 foram os de Santo Antônio e Jirau.
Com o inventário aprovado pela ANEEL, faz-se novo registro, agora para a realização do estudo de viabilidade. Passamos então a estudar, sob o aspecto de engenharia, a viabilidade técnica do empreendimento, e sob o ponto de vista ambiental, nós solicitamos a licença prévia. A partir desse ponto, até a aprovação dos estudos ambientais e dos estudos de engenharia, nós temos o que nós chamamos de estudo de viabilidade ambiental, onde se apresenta o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) / RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), através de um termo de referência que é dado pelo órgão ambiental. Paralelo a isso tudo a equipe de engenharia vai trabalhando na definição do melhor equipamento, das melhores condições de investimento e de todos os aspectos técnicos do empreendimento.
Com essas ações fechamos os estudos de viabilidade, momento em que o IBAMA libera a licença prévia e a ANEEL aprova os estudos de engenharia e libera o projeto para licitação. Isso ocorreu, para o Projeto Madeira, em dezembro do ano passado para Santo Antônio e em maio deste ano para Jirau.
Os vencedores da licitação passaram a ter, então, as concessões do empreendimento, para explorá-los durante 25 anos, e já de imediato começam a apresentar o programa básico ambiental que foi apresentado no EIA/RIMA, em busca da licença de instalação. Sob o aspecto da engenharia tem início a definição do projeto básico daquele empreendimento.
Com a emissão da Licença de Instalação tem início a obra. Foi o que aconteceu com Santo Antônio, depois que recebemos a Licença de Instalação em agosto. Nesse período, até a obtenção da Licença de Operação, nós vamos ter que executar todo o programa ambiental e cumprir todo o programa de engenharia, para só então, solicitar autorização para fazer o fechamento do reservatório e começar a gerar energia. Isso prá nós, no caso de santo Antônio, deve acontecer por volta do final de 2011. Com a entrada da usina em operação, nós vamos fazer uma monitoração e uma avaliação ambiental durante todo o período de sua construção.
Então, estas são as etapas a serem cumpridas para se obter o licenciamento ambiental em um empreendimento hidrelétrico. As principais autorizações a serem obtidas são:
– Licença de Instalação (IBAMA)
– Autorização do Patrimônio da União para Obras e Outros Serviços de Engenharia (SPU)
– Outorga da Concessão do Uso de Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia (ANEEL / Presidência da República)
– Outorga de Uso de Água (ANA)
– Declaração de Utilidade Pública (ANEEL)
– Autorizações do IPHAN e do Ministério da Saúde (para controle malarígeno)
– Autorizações IBAMA e SEDAM para Supressão de Vegetação e para Resgate, Coleta e Transporte de Fauna.
No caso de Santo Antônio nós iniciamos esse trabalho em 2001 e a usina foi licitada em 2007. Foram, portanto, sete anos de trabalhos no Projeto Madeira para podermos obter a Licença Prévia. De todo esse período, temos dois momentos importantes:
– Mar/2001 a Out/2002: Quando Furnas e Odebrecht solicitaram, em 2001, autorização à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para os estudos do inventário do rio Madeira.
– Dez/2002 a Abr/2005: Quando foram feitos os Estudos de Viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico do Alto Madeira. Mais de R$ 150 milhões foram investidos no risco.
É importante que se registre o nome das instituições que participaram do Estudo Ambiental: Universidade Federal de Rondônia – UNIR; Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA; Serviço Geológico do Brasil – CPRM; Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG; Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais – IPEPATRO; e Organização Não-Governamental CPPT Cuniã.
O fato de duas usinas de grandes proporções serem construídas em um único município também representa uma quebra de paradigmas, já que Isso é uma raridade em projetos do gênero.
As empresas costumam investir no estudo de viabilidade, partindo desde a análise de inventário do rio, até chegar a obter a licença de instalação, recursos da ordem de dez a doze milhões de reais, no máximo. Aqui no Projeto Madeira nós investimos cerca de cento e cinqüenta milhões de reais. A maior parte desses recursos foi destinada a garantir a sustentabilidade do projeto, minimizando os impactos ambientais e sociais que ele poderia causar na região.
O recrutamento da mão de obra para a construção teve que ser repensado. Na primeira avaliação que fizemos aqui em Porto Velho, por exemplo, nós entendíamos que cerca de 60 a 80% da mão de obra necessária para tocar o projeto – algo em torno de 12 mil empregos diretos – deveria ser recrutada fora de Porto Velho, até porque não havia essa quantidade de trabalhadores disponível aqui. Com os estudos, percebemos que teríamos que inverter esse processo. Não poderíamos colocar aqui dentro da Capital 70% de um contingente tão grande de trabalhadores para tocar o projeto. Então resolvemos criar o Projeto Acreditar, que visa justamente recrutar, contratar e treinar essa mão obra aqui mesmo, invertendo o raciocínio inicialmente adotado.
Os critérios básicos adotados nos estudos foram dois:
1. Vocação do Rio Madeira
– Navegação / Integração regional
– Geração de energia
2. Condicionantes adotados
– Limitar os níveis d’água máximos dos reservatórios a níveis pouco superiores aos das cheias;
– Não inundar território boliviano;
– Inclusão de eclusas;
– Desenvolver soluções de engenharia e equipamentos que produzissem o menor impacto ambiental possível.
– Com esses critérios e condicionantes nós chegamos a um projeto que tem a menor relação de área inundada por MW instalado no Brasil, conforme se pode observar no quadro abaixo:
Nós limitamos, dentro do reservatório, os níveis máximos pouco superiores aos níveis das cheias, mas com o cuidado não permitir que o remanso chegasse ao território boliviano. Para isso criamos uma régua operativa que no período da cheia eu consiga gerar com o reservatório mais baixo, ou seja, eu jogo mais água prá baixo e com isso eu mantenho o rio sempre com uma cota de inundação de tal ordem que nunca chegue a atingir o território boliviano.
A inclusão das eclusas também foi importante no projeto para preservar a vocação de navegabilidade e integração regional do Madeira.
A etapa mais difícil na elaboração do projeto foi o desenvolvimento de soluções de engenharia e equipamentos que produzissem o menor impacto ambiental possível. Nós tivemos que correr atrás daquilo que existia de mais moderno no mundo para uma concepção de usina de baixa queda que seria a turbina tipo bulbo. Essa concepção foi a que mais se ajustou às condicionantes de menor área inundada e menor impacto sócio-ambiental.
Isto porque, nesse ponto do projeto, tivemos que decidir entre duas alternativas: Poderíamos ter uma única usina, com mil quilômetros quadrados, com uma queda maior, em torno de 30 metros, e gerando 10.000 MW. Ou, a solução que se mostrou mais atrativa sob o ponto de vista ambiental, construir duas usinas, Jirau e Santo Antônio, com reservatórios, os dois somados, já com a calha do rio, da ordem de 500 quilômetros quadrados, utilizando as turbinas tipo bulbo.
Aqui esbarramos num outro problema: turbinas tipo bulbo, no mundo, só encontramos em Tadami, no Japão, gerando 68 MW por unidade. Quantas turbinas colocar em cada uma das usinas? Quarenta? Cinqüenta? Sessenta? O rio tem água suficiente para acionar 60 turbinas, sem problemas… Mas implicaria em maiores custos de manutenção, construção de uma casa de força maior e uma barragem mais ampla para poder acomodar tudo isso. Então nós tivemos que buscar os fornecedores na Áustria, na Alemanha, nos EUA, e chegamos ao entendimento que, embora não tivéssemos usina desse tamanho no mundo isso não demandaria, absolutamente, nenhum avanço tecnológico. O que eu tinha era um rio, numa condição única, de grande volume d’água para uma queda no limite de se colocar as turbinas bulbo em torno de 71 MW cada uma. Resolvendo essa equação, nós chegamos ao número de 44 turbinas.
Dentro desta concepção, a UHE de Santo Antônio será a maior hidrelétrica de turbinas bulbo no mundo (44 turbinas vs 9 de Lingjintan, Japão); será a 1ª em potência de turbinas bulbo (71,6 MW cada vs 68 MW de Tadami, Japão); e será a 2ª em tamanho de turbinas bulbo (8,15m diâmetro vs 8,41m de Murray Lock, EUA).
O Termo de Referência desse projeto, liberado pelo IBAMA, foi definido em três audiências públicas realizadas aqui em Porto Velho. Por isso que nós gastamos aqui cento e cinqüenta milhões de reais e, desse total, talvez vinte tenha sido em engenharia e os outros 130 em estudos ambientais para garantir a sustentabilidade do projeto. Apenas para citar os mais importantes, eu destaco aqui o Programa Entomofauna, o Programa Entomologia Médica, o Programa Ictiofauna, o Programa Limnologia, o Programa Fitossociologia, e os Estudos Sedimentológicos.
Foi assim que nós fizemos um ajuste perfeito entre as exigências da parte ambiental e da parte de engenharia, escolhendo aquilo que existia de melhor. Nós tivemos que trabalhar muito, realizando estudos a custo de sangue, suor e lágrimas.
Revista Ecoturismo