O presidente Barack Obama disse ontem a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva que os Estados Unidos não recuperarão tão cedo os níveis de consumo do passado, “de certa forma dando a entender que os países exportadores deveriam apoiar-se em seus mercados internos”, na interpretação de Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional de Lula.

A interpretação é razoável. Reduzido o pantagruélico apetite norte-americano por importações, os grandes países exportadores não teriam mercado externo suficiente e, por extensão, dependeriam mais das vendas internas. Não é o caso do Brasil, ressalva Marco Aurélio, cuja dependência de exportações é muito relativa.

Não foi apenas no encontro Lula/Obama que o tema do esfriamento da locomotiva norte-americana apareceu.

Nas discussões fechadas de anteontem entre os líderes do G8, houve consenso de que, mesmo depois que a crise acabe, os países desenvolvidos não voltariam à posição que tinham antes dela -ou seja, aos níveis de crescimentos espetaculares registrados a partir de 2001 e até 2007.

“A taxa média de crescimento poderá ser inferior à que havia antes da crise”, resume Kazuo Kodama, porta-voz do governo japonês.

É uma hipótese bastante razoável, se se levar em conta que os consumidores norte-americanos perderam formidáveis US$ 13 trilhões desde o início da crise, conforme o relatório emitido há dez dias pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais).

Consequência inescapável, aliás a mesma que Obama transmitiu a Lula: “as economias emergentes devem aumentar seu ritmo de crescimento, por meio do consumo interno”, sempre segundo Kodama.

É exatamente o que o governo Lula está fazendo, festeja Marco Aurélio Garcia.
Se basta ou não, é uma questão em aberto. O que é certo é que o presidente Lula está incomodado com a demora na implementação das decisões adotadas nas cúpulas do G20 em Washington (novembro) e Londres (abril).

No encontro que teve com a chanceler alemã, Angela Merkel, Lula repetiu uma queixa que vem manifestando reiteradamente: não dá para deixar que a crise se resolva por si mesmo, sob pena de que, depois, tudo fique como está, seja na regulação e supervisão dos mercados, seja nas instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Aliás, no discurso que fez ontem à tarde na plenária G8+G5+1 (o Egito, convidado especial da Itália), o presidente brasileiro chegou a usar uma expressão dura para se referir às agências de avaliação de risco, que foram incapazes de antever o risco que corriam entidades financeiras que faziam obscuras apostas em ativos.

“É preciso acabar com a ditadura das agências de avaliação de risco”, afirmou. Lula defendeu que essa tarefa seja assumida por empresas públicas.

Lula cobra, aliás, que se apresse também a reforma do FMI e do Banco Mundial, embora o governo brasileiro tenha concordado com a decisão do G20 de fixar 2010 e 2011, como os prazos para mudar o jogo de poder respectivamente no Banco Mundial e no FMI.
“Se não se começarem a tomar medidas agora, chega 2010 e se joga o prazo para 2013”, diz Marco Aurélio.

Em matéria de prazos, o único que aparece no comunicado conjunto G8/G5+1, emitido ontem após a reunião entre os 14 países, diz respeito à Rodada Doha, o ciclo de liberalização comercial lançado em 2001 na capital do Qatar e virtualmente bloqueado desde então.

Doha deveria ter sido concluída em 2005, mas, agora, 17 países (além dos 14, assinam o acordo também Austrália, Indonésia e Coreia) comprometem-se a fechar as negociações em 2010. Convocam, ademais, uma reunião ministerial para antes da cúpula do G20 em Pittsburgh, em setembro, “para fechar as brechas existentes na negociação tão depressa quanto possível”, diz o comunicado.
O restante do documento é uma coleção de platitudes e/ou reiteração de compromissos anteriormente assumidos.

Clóvis Rossi
Folha de São Paulo