Bruna Tiussu /XAPURI

Se as praias da Bahia ou os rios de Bonito, no Pantanal, estivessem ocupando este espaço do Viagem, certamente não causaria estranhamento algum. Mas o Acre? Poucos ouviram falar dos atrativos do Estado, que foi território boliviano até 1903 – afinal, ele ainda dá os primeiros passos no mundo do turismo. No entanto, já merece seu espaço. Ao menos para você se familiarizar com seus atrativos e começar a considerá-lo como um próximo destino de aventura.

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Com natureza exuberante – são 16 milhões de hectares de floresta tropical -, tradições plenamente preservadas e uma história única, bastava um empurrãozinho para o Acre aparecer aos olhos dos viajantes. E ele foi dado. Desde 2005, com o início das obras da Estrada do Pacífico (ou Rodovia Interoceânica), que vai da cidade acriana de Assis Brasil até Cuzco, no Peru, o governo e a iniciativa privada têm investido em projetos de turismo. Afinal, o Estado logo estaria inserido em um dos mais esperados corredores turísticos.

O objetivo primordial sempre foi mesmo o de segurar, por dois ou três dias, o viajante que percorre cerca de 2.500 quilômetros a caminho de Cuzco em busca das ruínas de Machu Picchu. E, assim, fazer correr (dentro e fora do País) o boca a boca sobre o novo destino de ecoturismo.

Os primeiros frutos do tal plano já foram colhidos. O número de visitantes no Estado vem aumentando desde o início do ano passado – a estimativa é de 25% em relação a 2009 -, principalmente depois que o circuito inaugural de arvorismo e tirolesa do Estado entrou em operação, em abril de 2010. A tendência é que os números continuem em ascensão. Afinal, 98% da Estrada do Pacífico foi concluída e os outros 2% estão previstos para serem entregues até julho.

Haja fôlego. Instalado no Eco-Park Ayshawa, em Xapuri, município que faz parte do Vale do Acre (região Sul do Estado) e fica a 188 km da capital Rio Branco, a atração que mescla trajetos sobre cordas e pedaços de madeira com quedas suportadas por cabos de aço caiu nas graças de quem está disposto a sentir a adrenalina subir.

São 250 metros de obstáculos meticulosamente construídos sobre árvores, além de duas tirolesas: uma de 60 metros de comprimento e 8 metros de altura, e outra que percorre 100 metros sobre um igarapé, do alto de 16 metros. Quando o guia avisa que fôlego e preparo físico são essenciais para cumprir todo o trajeto, não duvide. Um novo circuito de arvorismo, agora para atender as crianças, vai começar a ser operado em agosto. Assim como um campo de paintball para adultos.

Além do parque, o proprietário Victor Toledo Pontes também investiu em uma pousada que acomoda até 40 pessoas. Nascido em Rio Branco, ele apostou na essência da cultura local para ganhar clientes. Simples, porém confortável; rústica, mas com todas as facilidades necessárias, a Ayshawa recebe hóspedes desde o início de 2008.

Dali, o turista está a poucos minutos do centrinho de Xapuri e pode até escolher de que forma prefere explorá-lo: a pé, a cavalo ou de bicicleta. O tour pela cidade onde Chico Mendes nasceu e fez história começa exatamente na casa onde ele viveu. Tombada em 2008 pelo Patrimônio Histórico Nacional, guarda os móveis, utensílios e livros do líder sindicalista. A porta da cozinha que dá acesso ao banheiro, lá no quintal, ainda preserva resquícios do sangue do herói acriano, que em 1988 foi assassinado a mando de grandes fazendeiros.

Mais detalhes sobre o legado do personagem e a luta dos homens da floresta são encontrados no Centro de Memória Chico Mendes (em frente à sua casa) e no Museu de Xapuri (próximo à praça central). No caderno de visitas de cada um, assinaturas de estudantes se intercalam com a de turistas paulistas, mineiros e estrangeiros de várias origens.

Magia verde. Se na cidade muito se aprende sobre a simplicidade generosa dos seringueiros e sua dedicação à floresta, é seguindo seus passos dentro dela que se tem noção do impacto que a Amazônia causa sobre quem entra em seus domínios.

Algumas trilhas foram devidamente demarcadas por especialistas e já recebem turistas. Pertinho de Xapuri, a Trilha do Seringal Cachoeira (leia mais ao lado) é a mais conhecida delas, comercializada desde 2009.

São 15 quilômetros por entre caminhos sinuosos descobertos pelos seringueiros quando o Acre ainda pertencia à Bolívia. A mata é virgem, as árvores milenares e o ar completamente puro. Rodeado pelos mais diversos tons de verde, compreende-se o silêncio pacificador da floresta e entende-se a lógica tão perfeita da natureza. Riquezas que merecem ser vistas de perto.

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Do sabor marcante do tacacá ao refrescante creme de cupuaçu

Após o primeiro gole, a língua queima e a boca adormece. É o efeito tão falado do jambu, erva típica da Região Norte que divide espaço com os camarões e a goma de mandioca na cuia em que é servido o tacacá.

Ao lado do tererê – mate gelado também tradicional no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná -, este é o ‘prato da amizade’ do Estado. A cada dia, no fim da tarde, os acrianos se reúnem em casa ou na praça principal para tomar o tacacá enquanto colocam a conversa em dia.

O sabor é marcante – ao menos para os iniciantes. Além de sal e pimenta, a receita leva tucupi, molho amarelado que também tem como origem a mandioca. Outro famoso prato da cozinha acriana à base do ingrediente é o pato no tucupi.

Doce na medida. A mais rotineira refeição ganha sabor extra se acompanhada de um refrescante suco de cupuaçu. As árvores da fruta, típica da região, é facilmente vista crescendo até nas casas dos centros urbanos. Para um jantar com grand finale, a sobremesa deve ser o creme de cupuaçu. Servido gelado e em potinhos para comer de colher, é aquele tipo de sobremesa irresistível, com açúcar na medida. Receita que os moradores sabem fazer como ninguém.

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Pela imensidão verde até a Rainha da Floresta

Antes da saída definitiva rumo à mata fechada, a promessa de que a Trilha Seringal Cachoeira guarda uma grande surpresa. “Vamos em busca da Rainha da Floresta”, avisa o guia. Sem mais detalhes, aí fomos nós devidamente besuntados com a mais poderosa mistura de repelente e protetor solar.

O olhar impressionado aparece no rosto de cada um ainda no início do trajeto de 15 quilômetros. O ambiente exala aquele agradável cheirinho de natureza úmida e, em ambos os lados, apenas as mais distintas espécies de árvores. Lá no alto, até onde a vista alcança, a mesma imensidão verde.

Para ter sucesso na trilha, ou seja, alcançar a proeza de ver diferentes tipos de animais mesmo que de longe, é preciso andar em silêncio. Um toc-toc ritmado avisa que algum pica-pau está por perto. Bem no alto de uma árvore ele trabalha tranquilamente em seu hábitat.

Pouco mais à frente, o ruído das folhas em movimento sinaliza outra companhia. E lá se vê uma bela e grande coruja selvagem, incomodada com nossa presença, seguir mata adentro. Nessa hora, o quesito sorte conta bastante. Com ela, ainda se vê coloridos pássaros que se alimentam de frutinhas e tucanos voando por entre as árvores.

Diversidade. Seguir o caminho traçado pelos mesmos seringueiros que brigaram e conquistaram a preservação deste tapete verde é emocionante. Árvores endêmicas, inexistentes em outras regiões, com frutos curiosos, formatos surpreendentes e texturas impossíveis de serem descritas hipnotizam o olhar.

O que para nós é raridade, faz parte do dia a dia de quem vive ali. A plantinha que se esconde entre os altos troncos é fitoterápica e pode curar a mais cruel das cólicas em minutos. Aquela outra com poderes anestésicos é ingrediente dos mais requintados cosméticos, explica o guia.

Lá se foi mais de uma hora de trilha e o melhor ainda estava por vir. De repente, uma gigantesca árvore de raízes largas e profundas surge no caminho do grupo.

A Rainha da Floresta é uma impressionante sumaúma com mais de mil anos de idade. Suas raízes mais parecem pés gigantes, onde uma pessoa pode se esconder e permanecer seca mesmo que desabe um temporal. E caso precise encontrar água, basta observar em qual direção vai seu galho mais comprido. Ele sempre cresce mirando a nascente mais próxima.

Histórias e crenças sobre a sumaúma parecem não ter fim. Assim como os cliques que todos querem garantir diante dela. A foto mais clássica porém, exige um grupo grande. Para abraçar a Rainha da Floresta por completo é preciso juntar 14 adultos de mãos dadas.

Merecido descanso. Já com o sol escaldante, um breve trecho percorrido em 10 minutos leva de volta à Pousada Ecológica do Seringal Cachoeira. Construída pelo governo do Estado em 2007, mas administrada pela comunidade, é um projeto turístico considerado modelo.

Com chalés confortáveis, ampla e aconchegante área comum, com redes e espreguiçadeiras, acolhe bem todo o tipo de hóspede. O serviço é sempre impecável e quem ali trabalha também gosta de bater papo com os visitantes. Ao chegar da trilha e se deparar com a mais farta mesa de café da manhã, é impossível desejar estar em outro lugar.

* O QUE LEVAR

Protetor solar e labial

Mesmo na época das chuvas, de novembro a abril, o calor é constante e o sol queima. Vá de fator acima de 30

Repelente
Essencial para os passeios na floresta. Por mais que você repasse o creme a cada hora, é quase impossível terminar a viagem sem picada alguma

Roupas para caminhada
Para entrar na mata, vista calça, blusa de manga comprida e calçado próprio para trilhas

* O QUE TRAZER

Licores e pimentas
De fabricação artesanal, é fácil achá-los na Casa dos Povos da Floresta e mercados da capital
Castanha-do-brasil
Aproveite os preços mais em conta da guloseima local. A tentação é a castanha fatiada e salgada, vendida em latinhas

* A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA SETUL DO ACRE E DA ABETA

Fonte: ESTADÃO