Chegar ao topo de um ranking é, sem dúvida, um feito. Já manter-se na liderança é uma tarefa complexa, sobretudo quando se trata de madeira, pecuária e Amazônia.

Paragominas terá pela frente o desafio de ser líder ambiental em uma parte do Brasil castigada por moto-serras e balas. O município paraense localizado a 300 quilômetros da capital, Belém, foi o primeiro na região a adotar medidas para ordenar seu território e frear a derrubada da floresta. Por causa disso, após dois anos de boicote de crédito público, Paragominas foi retirado da lista dos maiores desmatadores da Amazônia, elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente. Agora vem o mais difícil.

O sucesso dos esforços do município para tornar-se “verde” está atrelado a um novo modelo de desenvolvimento regional, capaz de inverter a lógica econômica que historicamente moldou a Amazônia. Isso significa não só regularizar a questão fundiária em larga escala, mas encarar a floresta como um ativo valioso em pé e investir em tecnologia em áreas já abertas, elevando a produtividade da agropecuária. Aqui, cada boi ocupa 1,7 hectare – uma exorbitância para qualquer parâmetro.

Como os demais municípios amazônicos, Paragominas nasceu colocando abaixo a maior floresta tropical remanescente do mundo. Seus habitantes vieram em grandes massas do Sul. Gaúchos, catarinenses, paraenses e capixabas subiram o país atrás de terra farta e barata, e uma floresta abundante para ser explorada. Viveram – e muitos ainda vivem – à custa da madeira. Paragominas, sozinho, derrubou 45% de seu território.

Mauro Lúcio Costa, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, sintetiza em uma frase o caminho da colonização e o seu impacto no ambiente. “Meu avô derrubou a Mata Atlântica. Meu pai derrubou a Amazônia. E eu tenho o maior orgulho deles”, diz. Mas o sinal dos tempos vem a seguir: “Agora cabe a mim, para que meus filhos tenham orgulho de mim, a mudança do processo”.

A mudança de processo é condição sine qua non para que Paragominas sobreviva. Em março de 2008, o governo federal anunciou uma “lista negra” com os 43 municípios que mais desmataram a Amazônia. Dois critérios foram analisados: o desmatamento acumulado ao longo dos anos e o desmatamento recente. Paragominas tinha os dois indicadores altos.

O fato mexeu com a autoestima dos moradores e com os bolsos de quem tinha e não tinha culpa. A publicação de um decreto na esteira da lista obrigou os bancos públicos – os maiores financiadores do agronegócio – a fecharem a torneira para o município. Sem crédito, pecuaristas recorreram à poupança ou simplesmente ao calote. No campo, os agricultores optaram pela revenda de defensivos.

“Somos 100 produtores em Paragominas e quase metade lidava com custeio de banco”, diz Michel Alexandro Cambri, presidente da Associação de Produtores de Soja, Arroz e Milho do Pará (Aprosoja). De acordo com ele, os financiamentos oscilavam, na época, de R$ 1 mil a R$ 1,2 mil por hectare, dinheiro que desapareceu da praça.

O embargo foi o grande susto. Nunca antes municípios eram penalizados por crimes ambientais desse porte. Mas havia mais fumaça no ar. A alguns quilômetros daqui, uma operação da Polícia Federal (PF) jogava o município de Tailândia nos holofotes nacionais e internacionais. Cerca de 350 homens foram destacados para desbaratar um esquema de comércio ilegal de madeira, numa operação violenta que expôs o tamanho da encrenca na região. Cerca de 80% das serrarias de Tailândia foram fechadas e mais de 13 mil metros cúbicos de madeira apreendidos, em meio a confrontos com a polícia e a captura de fiscais como reféns.

“Paragominas realmente se preocupou porque muitas dessas serrarias de Tailândia tinham ligações com madeireiros da cidade”, conta uma fonte do governo paraense, sob condição de anonimato. “Eles não queriam ser o próximo alvo de uma fiscalização dura”.

A reação foi rápida, articulada e estratégica. Em uma iniciativa sem igual na Amazônia, prefeitura e 51 entidades de classe, incluindo os sindicatos rural e florestal, mobilizaram-se para formar um pacto de desmatamento zero. De um dos maiores polos madeireiros ilegais, Paragominas pleiteava uma nova via de desenvolvimento que apagasse o carimbo de desmatador.

Adnan Demachki (PSDB), o pragmático prefeito do município, afirma que a parceria com o setor produtivo foi crucial para dar os passos iniciais no processo de reordenamento ambiental. “Os agricultores vinham aqui reclamar que não conseguiam vender soja para a Bunge e a Cargill porque Paragominas estava na lista”, diz ele. “Vimos a oportunidade na crise”.

A primeira ação foi puxar para a mesa órgãos fiscalizadores, setor produtivo e ambientalistas, costurando um entendimento que permitisse a regularização sem punição. A partir daí, os proprietários rurais buscaram o chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR), um instrumento de identificação exigido por lei onde constam as coordenadas georreferenciadas do imóvel, com seus limites, áreas abertas e remanescentes florestais.

Através do CAR, Paragominas mapeou cerca de 85% de seu território. Além disso, estancou a derrubada do que sobrou da mata. O corte raso, que arrasta tudo o que tem pela frente, acabou. Extração, agora só com plano de manejo.

Uma outra novidade foi o monitoramento por satélite. Paragominas tornou-se o único município do país a receber um boletim mensal sobre a situação da floresta, produzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Quando as lentes detectam um foco de desmate, a informação é repassada à prefeitura, que aciona a Secretaria do Meio Ambiente. Graças ao CAR é possível saber com precisão onde está o problema. “Estamos dando nomes aos bois”, diz Francisco Fonseca, da The Nature Conservancy, que ajudou no cadastro das propriedades.

Por ter saído da lista negra e ganhado projeção nacional, Paragominas inspirou outros municípios do Pará a seguir caminhos similares. Entre 15 e 20 prefeituras estão em estágios diferentes de interesse no assunto – algumas em conversas iniciais, outras já começando a agir, caso de São Félix do Xingu.

O efeito multiplicador, porém, pode não ser fácil. Como tudo na Amazônia, as pressões contrárias também têm proporções gigantescas. “Mudar a cultura ambiental é um trabalho de gerações”, lembra Paulo Amaral, pesquisador do Imazon. A prova de fogo está no próximo passo após o CAR. Os donos de imóveis deverão obter o Licenciamento de Atividade Rural, documento que prevê, entre outras coisas, a solução para o passivo ambiental. O gargalo continua sendo a Reserva Legal – a porção de cobertura florestal na propriedade – e a recomposição das Áreas de Preservação Permanente (APP).

Paragominas ainda não conhece o seu déficit, e o objetivo do convênio é trabalhar em cima desses dados na segunda fase do projeto. A experiência mais próxima que se tem registro é em Lucas do Rio Verde (MT), o primeiro município a ser 100% rastreado – e lá produtores e ambientalistas ainda buscam um acordo sobre como e onde compensar a floresta derrubada.

O desafio é manter esse espírito de preservação enquanto mudanças estruturais na economia da Amazônia não se firmam. O processo de valoração dos ativos pelos serviços ambientais prestados pela mata – água, biodiversidade, carbono – cresce de importância, mas ninguém prevê uma realidade nova em menos de dez anos.

No Pará, contas estimadas do governo apontam para um desembolso de R$ 15 bilhões para a recuperação de 7 milhões de hectares degradados, mais que os R$ 9 bilhões do PIB da pecuária. “A conclusão é que quem tem R$ 9 bilhões de riqueza não paga R$ 15 bilhões. Quem paga a conta hoje?”, questiona um fonte do governo.

Corrupção, vista grossa do Estado e a má-fé de alguns produtores também colocam em xeque as iniciativas inovadoras. Planos de manejo forjados ainda são detectados na Secretaria do Meio Ambiente.

Pressões como essas podem corroborar um número que deixou Paragominas em suspenso: a revisão para cima do desmatamento. Segundo dados consolidados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmate em 2009 pode ter subido dos 21 Km² estimados em novembro – queda substancial frente a 2008 – para 77 Km². As imagens serão analisadas e apresentadas esta semana. Se comprovadas, Paragominas corre o risco de voltar ao banco dos réus.

Valor Econômico