Podem ondas geradas por tempestades Canadá abalar plataformas de gelo na Antártida? Um trio de cientistas dos EUA diz que sim. Eles propõem que esse tipo de onda possa ter sido a causa do rompimento espetacular, em 2008, da plataforma de gelo Wilkins, contabilizada como a mais recente vítima do aquecimento global no continente gelado.

A ideia aparece em um estudo na última edição do periódico “Geophysical Research Letters”. Ela lembra o famoso “efeito borboleta”, descrito pelo meteorologista americano Edward Lorenz, pai da teoria do caos. Lorenz se perguntava nos anos 1970 se o bater das asas de uma borboleta no Brasil poderia produzir um tornado no Texas -indicando como os processos climáticos são complexos e interconectados.

No novo estudo, o grupo liderado pelo oceanógrafo Peter Bromirski, da Scripps Institution, na Califórnia, traz uma amostra dessas interconexões.

Se estiverem certos, eles terão ajudado a solucionar um mistério que intriga a ciência desde 2002, quando satélites flagraram o rompimento em tempo quase real da plataforma Larsen-B. Embora o degelo esteja na origem da ruptura, ninguém sabe direito qual foi a gota d’água para o colapso, já que a Larsen-B e a Wilkins se esfacelaram com tempo bom.

Segundo o trio, as vilãs da história são as chamadas ondas de infragravidade. Elas são geradas quando a marola produzida por tempestades intensas viaja ao longo da costa e se transforma em ondas de longo período. Estas, por sua vez, propagam-se através do oceano, com velocidade maior que a de ondas comuns, e a maior distância.

Como carregam muita energia, essas ondas são capazes de abalar de maneira significativa as plataformas de gelo, imensas línguas glaciais flutuantes presas ao continente. Além disso, diferentemente das marolas, ondas de infragravidade não são enfraquecidas pelo gelo marinho que cobre o oceano Austral na maior parte do ano.

Bromirski e seus colegas Olga Sergienko (Universidade de Princeton) e Douglas MacAyeal (Universidade de Chicago) detectaram sinais de ondas de infragravidade na barreira de Ross, a maior plataforma de gelo antártica. A fonte dos sinais foi localizada em tempestades que se abateram sobre o noroeste da América do Norte; o padrão de ventos ali força as ondas rumo à Antártida.

“A dispersão [das ondas] causa uma diferença no tempo de viagem dos diferentes períodos da onda”, disse Bromirski à Folha. “Isso permite que a trajetória de propagação seja estimada com precisão suficiente para localizar a origem das ondas de infragravidade.”
Segundo os autores, ondas de infragravidade geradas por tempestades longe da Antártida “podem ser um agente mecânico chave que contribui para a produção e/ou expansão de fendas preexistentes em campos ou plataformas de gelo”.

O estudo mostra que tempestades ocorreram na costa da Patagônia em 2008 bem a tempo de ondas de infragravidade terem viajado e causado o colapso de parte da plataforma Wilkins em maio daquele ano. Embora ninguém estivesse lá para medir, afirmam, as ondas de infragravidade “podem ter desempenhado um papel integral” no processo.

E, antes que os céticos de plantão inocentem a mudança climática, Bromirski avisa: “Embora não se antecipe um aumento no número de tempestades, sua intensidade deve aumentar. Tempestades mais fortes produzem marolas de maior amplitude, que devem produzir ondas de infragravidade de maior amplitude”.

Folha de São Paulo