Cientista e psicólogo alemão afirma as guerras deste século serão provocadas
pelas mudanças no clima e vão aterrorizar a humanidade como nunca aconteceu

Neste século 21 os homens não vão mais entrar em guerra, matar e morrer só por causa da economia, da religião e dos conflitos raciais, mas também em conseqüência das mudanças climáticas que podem tornar imensas áreas no planeta inúteis para a sobrevivência.

Os espaços vitais disponíveis encolherão e provocarão conflitos armados permanentes. As guerras civis, os fluxos de refugiados e as injustiças atuais se aprofundarão. Ondas de refugiados climáticos e fugitivos do terrorismo vagarão pelo planeta.

Esse cenário apocalíptico – cujos sinais já estão presentes nos furacões, terremotos, enchentes, falta de água em quase todo o planeta – é apresentado e comentado no livro “Guerras Climáticas – por que mataremos e seremos mortos no século 21 – do cientista e psicólogo alemão Harald Welzer, do Instituto de Ciências Culturais de Esse e professor da Universidade e Witten-Herdecke.

Mais um lançamento polêmico da Geração Editorial.

Cenário preocupante

Welzer começa seu livro com uma pergunta dramática: o que estamos fazendo para conter o terror que se avizinha? Pouca coisa, responde. E enumera a seguir, numa introdução e 11 capítulos apavorantes, o que acontece no planeta, as origens das crises e, finalmente, o que se pode e não se pode fazer para deter o caos que se avizinha cada vez mais rápido.

Os conflitos climáticos, as cenas de oceanos refluindo em algumas áreas do planeta, ou de desertos avançando continente adentro, as secas, as guerras civis, são descritas de forma rigorosa. O aquecimento e as catástrofes sociais em várias partes do planeta desfilam, enquanto se comparam as mortes do passado com as mortes do presente. “Ecocídios” substituem outras formas de matar. Um capítulo tem um subtítulo patético – “a carne de sua mãe está entre meus dentes”, e não se trata de uma metáfora: cenas de canibalismo e genocídio na África desfilam diante de nossos olhos para reforçar os argumentos.

Guerras permanentes, limpeza étnica, o terror como meio de transformação do espaço social, e pessoas que se transformam dentro de realidades também alteradas: os lideres mundiais, afirma Welzer, ainda não se deram conta da dimensão trágica do que se avizinha.

O que há de comum entre as inundações na região metropolitana de São Paulo, onde vivem 20 milhões de habitantes, e o Haiti, onde um terremoto matou mais de 170 mil pessoas? A falta de preparo das autoridades locais para enfrentar a inclemência da natureza.
As variações climáticas colocarão as sociedades diante de perguntas totalmente novas nas áreas de segurança, responsabilidade e justiça.

“Guerras Climáticas” vai ao passado para iluminar o presente: o extermínio das tribos Hereros e Namas, na África, pelas tropas coloniais da Alemanha, no começo do século XX, deu-se pela ocupação das nascentes de água no deserto de Omaheke, o que dizimou grande parte das tribos.

A criação da Agência Européia para Administração do Trabalho de Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-membros da União Européia, em 2005, não teve outra justificativa senão esta: os países europeus precisavam controlar e tentar banir a entrada de refugiados e imigrantes ilegais de outros cantos do mundo.

Tragédias anunciadas não encontram resposta rápida do poder público: o furacão Katrina pôde ser previsto cerca de quatro anos antes, por um artigo na revista Scientific American, mas nada se fez e depois do desastre o que se viu foi uma escalada da violência em curto espaço de tempo em Nova Orleans. Com os alojamentos superlotados e Nova Orleans isolada, as autoridades foram obrigadas a declarar estado de guerra para conter a onda de saques e da revolta da população.

Aquecimento global, um problema constante

As modificações do clima no mundo trouxeram à tona uma série de problemas. Em “Guerras Climáticas” há questionamentos sobre o aquecimento global, as mudanças nas temperaturas, com as causas e efeitos nas populações, além das possíveis conflitos devido à disputa por novos territórios. O autor utiliza como base para debate os relatórios do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC ou Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas).

Welzer recorda as limpezas étnicas e os genocídios dos séculos dezenove e vinte e afirma que, embora injustos e trágicos, geraram modernização. O processo de globalização em curso, acrescenta, poderá trazer em sua esteira comportamentos violentos ainda mais homicidas.

Um dos dados mais chocantes em “Guerras Climáticas” é quando Welzer demonstra que as guerras civis e entre países acabam sendo também elementos devastadores do meio ambiente.. No Afeganistão, uma das consequências do estado de guerra permanente é que oitenta por cento da terra está sendo inutilizada pela erosão do solo. A fertilidade do solo vem diminuindo, a salinização crescendo, o espelho de água subterrânea vem descendo dramaticamente, a desertificação se expande sobre amplas superfícies e a erosão provocada pela água e pelo vento foi grandemente ampliada. De acordo com Abdul Rahman Hotaky, Presidente da AOHREP (Afghan Organization for Human Rights and Environment Protection [Organização Afegã para os Direitos Humanos e Proteção do Meio-Ambiente]), setenta por cento das florestas do Afeganistão já foram destruídas e cinqüenta por cento das planícies agrícolas pararam de ser cultivadas durante as duas últimas décadas.  O livro também traz dados do Vietnã, Darfur e outros países africanos.

Para o autor, as variações climáticas ainda não provocam ameaças às grandes nações, pelo menos por enquanto. Mas as alterações no clima já ameaçam as populações mais pobres, que não tem acesso a água potável, diminuição constante da produção de alimentos, aumento dos riscos à saúde e encolhimento do espaço vital, ocasionado pela degradação das terras de cultivo ou de pastagem e por sua exploração. Esses fenômenos poderão resultar nos intermináveis crises violentas internas, guerras civis, genocídios e as migrações desenfreadas.

“Guerras Climáticas” exibe mapas e gráficos sobre o acesso a água potável, encolhimento do mar, as transformações climáticas no mapa-múndi, regiões já atingidas pela escassez de água em 1995 e prognóstico para 2025, conflitos ambientais que provocaram violência, números de guerras e conflitos armados em andamento.

O Heidelberger Institut für Internationale Konfl iktforschung [Instituto Heidelberg de Pesquisas sobre Conflitos Internacionais] contabilizou, em 2006, 35 conflitos armados importantes, dos quais seis atingiram a categoria de guerras, quer fossem guerras civis entre diversos partidos conflitantes ou guerras tradicionais entre nações. Já o Arbeitsgemeinschaft Kriegsursachenforschung an der Universität Hamburg (AKUF [Círculo de estudos e pesquisas sobre as causas originais das guerras da Universidade de Hamburgo]), enumera 76 conflitos armados severos em 2006 de forma diferente. Eles ocorreram na Somália, no Darfur ou em Sri Lanka Afeganistão, na Tchetchênia, no Iraque e em Caxemira.

No capítulo “Linhas Básicas em Transformação”, a discussão e análise são feitas em cima dos acontecimentos atuais, como as enchentes em Uganda, ou a pior seca em cem anos na Nova Guiné, onde milhares de habitantes morreram de fome. A falta de chuvas nas florestas de Bornéu, do Brasil, do Peru e da Tanzânia, da Flórida e da Sardenha provocaram queimadas nunca vistas antes nestas regiões. A maior parte dos rebanhos das tribos nômades da Mongólia morreu durante uma onda de frio inesperada, enquanto no Tibet caíam tempestades de neve como não se viam há cinquenta anos. Nas zonas áridas da Califórnia avalanches de lama arrastaram casas pelos rochedos.

Welzer recorda o Holocausto e os motivos que levaram Hitler a seguir o plano de extermínio dos judeus. Um dos questionamentos apontados pelo escritor está na discussão paralela se o morticínio foi realizado após um plano formulado inicialmente em “Minha Luta”, o livro escrito por Hitler nos anos 40, ou se as pessoas se envolveram em um acontecimento social radicalizante e autocatalizador, que não dependia nem de um plano diretor, nem das ordens de um Führer para se desenvolver.

Na parte final há uma análise sobre o que se pode fazer e o que não se pode, como se é possível evitar soluções radicais para problemas sociais no futuro é também um teste para verificar se as sociedades podem aprender com a história ou se não têm essa capacidade.

Não se trata de uma pergunta acadêmica, mas de uma questão política. O autor acredita que será necessária uma renascença do pensamento político, sólida o suficiente para demonstrar a capacidade de apresentar imediatamente uma crítica diante de qualquer proposta que possa infringir as possibilidades de sobrevivência dos demais.Para isso será necessário forjar um tipo de pensamento que seja consideravelmente mais prospectivo e antecipatório do que todas as ideologias que a humanidade foi capaz de propor durante as últimas décadas.

A tradução de “Guerras Climáticas – por que mataremos e seremos mortos no século XXI” foi financiada com recursos da Fundação Federal de Cultura da Alemanha, em conjunto com o Goethe-Institut e a Feira do Livro de Frankfurt.

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Guerras Climáticas – Por que mataremos e seremos mortos no século 21
Autor: Harald Welzer