SEM DISPENSAR uma pescaria de barranco, a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desce o São Francisco desde quarta-feira. A pretexto de fiscalizar a transposição do rio, a caravana partiu de Minas, cruzou a Bahia e vai desaguar em Pernambuco. As obras andam devagar, mas o foguetório eleitoral foi para lá transposto assim mesmo.

No primeiro dia, com dois pré-candidatos à sua sucessão no palanque -a ministra Dilma Rousseff (PT) e o deputado federal Ciro Gomes (PSB)-, Lula revelou o que pretendia esconder: originalmente estava previsto apenas visitar canteiros, e não “fazer comício”, disse o presidente.
Embarcado em 69% de aprovação popular, Lula seguiu adiante: “Tivemos muitos governantes de duas caras, que prometiam fazer a obra em um Estado e prometiam não fazer no outro”. Lula, pelo contrário, promete fazer em todos ao mesmo tempo. O problema é o ritmo da construção dos 700 quilômetros de canais que vão levar a água do rio ao semiárido nordestino.

A execução média das obras de transposição está em 15,3%, segundo balanço divulgado pelo próprio governo. Para cumprir as metas estipuladas para dezembro deste ano, seria preciso realizar em 75 dias mais que tudo o que foi feito desde 2007. Nem as mais poderosas carrancas que, afixadas nas proas dos barcos, afugentam os maus espíritos no Velho Chico poderiam conduzir a tal milagre.

Com custo de R$ 7 bilhões, destinados à transposição e à revitalização do rio -bem como a investimentos ambientais-, o empreendimento está dividido em dois eixos: o leste e o norte. O governo pretende concluir ao menos o leste, que chegará até o sul da Paraíba, no ano eleitoral de 2010. Seria uma alavanca para candidaturas à Presidência e aos governos estaduais que viajam na generosa barcaça lulista.

Mesmo a consecução desta meta, contudo, é difícil. No eixo leste foram executadas apenas 21,6% das obras. Já a conclusão do trecho norte, que atingirá o Rio Grande do Norte, está prevista para 2012. Apesar de governadores do Nordeste desfilarem rio abaixo com Lula, tem faltado empenho das administrações estaduais para a realização do projeto. A fim de que recebam as águas da transposição, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande Norte deveriam criar agências próprias de recursos hídricos, bem equipadas e com pessoal treinado. Apenas o Ceará está em estágio avançado para constituir uma autarquia com esse propósito.

Quando concluído, o projeto promete beneficiar 12 milhões de brasileiros hoje com escasso acesso a recursos hídricos. Por enquanto, beneficia apenas o projeto eleitoral de um punhado de políticos que têm sido incapazes de melhorar a capacidade do setor público de fazer investimentos em infraestrutura.