Não há dúvidas de que a integração latino-americana permeou, ao longo da história política do continente, as preocupações de governos, lideranças políticas e pensadores. Sempre houve a correta percepção de que a formação de um bloco regional ensejaria o fortalecimento político-econômico, social e cultural de seus integrantes.

Não restam dúvidas, igualmente, de que as relações comerciais entre os seus membros ganharão dinamismo. No Brasil, não por acaso, a Carta Magna explicita a busca da formação de uma comunidade latino-americana de nações. Vários movimentos efetivamente foram realizados na América do Sul para tornar a integração uma realidade: criação do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações e, recentemente, da Unasul. Agora as palpitantes discussões em torno do assunto ganharam um novo fôlego. A Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal prepara-se para votar parecer ao projeto que aprova o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul.

A inclusão de novos membros, é bom ressaltar, já estava prevista no Tratado de Assunção, de 1991, que instituiu o Mercosul. O compromisso de integração regional obedece a uma política perene de Estado, além de políticas transitórias de governos.

Acredito que a adesão da Venezuela aprofundará o processo de integração da América do Sul. Esse país tem o terceiro PIB do continente, e suas relações comerciais com o Brasil vêm rendendo robustos desempenhos. Os resultados econômicos são eloquentes. O superavit comercial com a Venezuela correspondeu a 20% do superavit total do Brasil em 2008. Isso tem grande significado em um período de grave crise econômica, em que nos esforçamos para minimizar a vulnerabilidade externa.

Os bons resultados não são fortuitos. Decorrem de políticas implementadas com tal finalidade. Não me parece crível afirmar que as relações bilaterais serão mantidas nos mesmos níveis sem o ingresso da Venezuela no Mercosul. A analogia com a Colômbia e os EUA, países com volumosos negócios com a Venezuela, é improcedente. A Venezuela tradicionalmente buscou os países andinos, caribenhos e os EUA como parceiros preferenciais.

Outro aspecto, talvez o grande ponto de inflexão, relaciona-se à expansão do Mercosul na direção norte. A aceleração dos fluxos comerciais e de investimentos na zona setentrional da América do Sul impulsionará o desenvolvimento e a integração humana da região pan-amazônica. O protocolo de Ushuaia vem sendo, por outro lado, reiteradamente brandido pelos críticos da Venezuela. A cláusula democrática e a cláusula da unanimidade são colocadas como obstáculos à pretensão venezuelana.

Com efeito, o protocolo afirma a necessidade de plena vigência das instituições democráticas. Ora, a Venezuela realizou, desde 1998, 12 eleições, todas consideradas livres, legítimas, por isentos observadores internacionais, como o Centro Carter, a OEA e governos estrangeiros. A vigência do Estado de Direito e a legitimidade da vontade popular estão assinaladas na Constituição. Os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo são acrescidos do Poder Eleitoral e do Poder Cidadão. Deriva daí a questão dos referendos e plebiscitos. Em 2004, o presidente Hugo Chávez foi ratificado no cargo com 59% de votos favoráveis, após convocação do referendo pela oposição. Reporto-me, ainda, às supostas implicações da personalidade do presidente Chávez com a unanimidade das decisões. Não há poder de veto no Mercosul. As decisões são construídas por consenso.

Obviamente, as questões complexas exigirão um tempo mais dilatado para sua equação. A exaustiva busca do consenso, porém, enquadra-se perfeitamente no espírito democrático. As negociações de natureza técnica ainda estão em curso com o ritmo e as dificuldades inerentes aos processos multifacetados. O protocolo de adesão estabelece prazo de quatro anos para a Venezuela adotar o acervo normativo vigente, a Nomenclatura Comum do Mercosul e a Tarifa Externa Comum (TEC). Para esse prazo, portanto, devemos lançar nosso olhar, e não rumo a outros cronogramas.

Todo o crescente dinamismo econômico apontado nas relações com a Venezuela, entretanto, poderá sofrer um indesejável revés caso o Brasil não ratifique essa posição. Argentina e Uruguai já o fizeram. Nesse cenário, o ônus poderá recair sobre nós. Utilizo-me, por fim, do recorrente bordão “nuestro norte es el Sur”, simbólico da afirmação de uma identidade cultural da América do Sul, sem fronteiras, para fazer inevitável paráfrase: sem o norte, não há Mercosul pleno.

Romero Jucá