MARIO MESQUITA

A fraqueza da Bovespa chama a atenção porque as taxas de juros reais estão no nível mínimo histórico

Até meados da semana passada a Bovespa tinha um dos piores desempenhos do ano entre mercados acionários relevantes, com queda próxima a 14% (em dólares), ganhando apenas, e por razões óbvias, do mercado espanhol.

É verdade que parte desse desempenho ruim da Bolsa deveu-se à depreciação do real, tendo a queda do índice em reais sido de apenas 6%.

Porém, a fraqueza da Bovespa chama a atenção quando lembramos que as taxas de juros reais se encontram em mínimas históricas, o que, em tese, deveria carrear recursos de renda fixa para variável, impulsionando o preços das ações.

Não custa lembrar que os fundos de pensão brasileiros, no atual ambiente de taxas de juros, devem estar enfrentando dificuldades em atingir metas atuariais ambiciosas, mas ainda bastante comuns, como inflação mais 5% ou 6% ao ano. Esse descasamento entre metas e possibilidades de investimento em títulos de renda fixa também deveria direcionar recursos para a Bolsa.

Entre participantes de mercado, a visão predominante parece ser a de que, ainda que muitas ações estejam baratas, a julgar pelas métricas convencionais, uma virada consistente de tendência teria de esperar a moderação do grau de incerteza e aversão ao risco pairando sobre o sistema financeiro internacional, o que, por sua vez, deve requerer uma nova dose de morfina monetária a ser ministrada pelos principais bancos centrais.

É visão generalizada, também, que, a despeito de efeito positivo da redução das taxas de juros, certos aspectos das políticas governamentais teriam efeitos negativos -e talvez dominantes.

Do lado macro, o viés por um real mais fraco significa que os investidores estrangeiros, que contribuem de forma importante para a dinâmica da Bolsa, têm seus retornos descontados.

Mas os maiores problemas parecem vir do lado micro, qual seja, as constantes intervenções em diversos setores da economia. Como é notório, a Petrobras, em que pese a excelência de seu quadro técnico, além de não poder ajustar seus preços em linha com os custos, se defronta com uma versão própria da impossível trindade: comprar equipamentos com alto conteúdo nacional, baratos e tecnologicamente avançados.

Dois dos três atributos são viáveis; conseguir os três ao mesmo tempo não tem sido fácil (tanto que as regras de conteúdo nacional parecem a caminho de ser relaxadas).

A Vale sofre com a desaceleração chinesa, mas seus investidores, ao menos em parte, também exibem desconfiança ante perspectivas de integração vertical que agradam certas lideranças políticas, mas podem desviar a empresa de suas áreas de excelência.

As ações dos bancos, que têm peso importante no Ibovespa, por sua vez, sofrem os efeitos colaterais da campanha pela redução dos “spreads” -pelo menos em um primeiro momento. O mesmo, a propósito, pode vir a ocorrer com ações de empresas de serviços públicos, caso venha por aí uma “campanha de cortes de tarifas”. Não cabe aqui juízo de valor sobre o mérito de tais campanhas, mas apenas registrar os efeitos sobre o mercado acionário.

Por outro lado, o setor de construção se vê às voltas com custos elevados, em razão da combinação da alta do salario mínimo e da escassez de mão de obra qualificada.

Já setores que são alvo de políticas de estímulo, em especial o automotivo, o maior beneficiário das medidas até aqui adotadas, não tem ações negociadas no mercado local.

O desânimo do mercado acionário não deve ser preocupação apenas dos investidores e analistas. Isso porque o comportamento dos preços de ativos tem influência importante sobre a atividade econômica, em especial o investimento, que tem sido a parte mais fraca da demanda doméstica, e cuja debilidade compromete a atividade corrente e o crescimento futuro.

Preços de ações em alta tendem a estimular o aumento do estoque de capital, além de proporcionar um efeito riqueza que também beneficia o consumo.

Os efeitos de relaxamento monetário doméstico, em contexto de nova expansão de liquidez pelos maiores BCs, podem levar a uma trajetória de reação na Bolsa, mas um pouco de moderação no ativismo microeconômico ajudaria muito.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.