RIO e BRASÍLIA. Um dia após o anúncio oficial da proposta do marco regulatório para o pré-sal, especialistas em energia e Meio Ambiente levantaram dúvidas sobre a escolha do governo Brasileiro de investir maciças somas de dinheiro no desenvolvimento de uma fonte energética suja e finita, num momento em que o mundo se esforça para ampliar o uso de fontes limpas e renováveis. Entre as preocupações, estão não apenas o aumento da emissão de CO – como admitiu ontem o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc -, como também o futuro do mercado mundial de petróleo a longo prazo.

O Brasil corre o risco de ir na contramão da História – diz o secretário-executivo do Fórum Paulista de mudanças climáticas e Biodiversidade, Fabio Feldmann. – Do ponto de vista interno, a produção do pré-sal tende a sujar a matriz energética. Do ponto de vista externo, existe a tendência de restrição de combustíveis fósseis. Qual será a participação do petróleo no cenário mundial em 20 ou 30 anos? É uma questão de mercado.

Metas para CO devem desestimular uso de petróleo
Hoje, 45% da matriz energética nacional são renováveis. Nos países ricos, essa fatia não chega à metade, mas existem esforços para elevar o índice. No fim deste ano, haverá uma conferência em Copenhagen, Dinamarca, para debater a Convenção do Clima da ONU. Na ocasião, espera-se que as metas de redução de CO sejam revistas. Feldmann avalia que este e os próximos encontros sobre o tema fixem metas de redução para 2050 de 50% a 80% das emissões referentes a 1990. Ainda não há consenso se os países em desenvolvimento, como o Brasil, terão que aderir às cotas. Mas grandes consumidores de petróleo serão pressionados a substituir seu uso.

Por isso, diz Feldmann, o sonho do presidente Lula de fazer justiça social com os recursos advindos da exportação do petróleo do pré-sal pode se inviabilizar a longo prazo. O campo de Tupi, licitado em 2000 e primeiro a ter suas reservas confirmadas, só deverá estar em plena atividade em 2014/2015. A maior parte do pré-sal, porém, sequer foi a leilão e depende da aprovação do novo marco regulatório para que seja licitada.

O professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP José Goldemberg alerta ainda para o risco de que recursos públicos alocados em projetos de energias limpas, como hidrelétricas e usinas eólicas, possam ser desviados para o pré-sal. Ele pondera que seria ingenuidade pensar que o governo pudesse ignorar as megarreservas, pois entre 75% e 80% da energia consumida no mundo hoje ainda são de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). O erro, diz, é sobrevalorizar o pré-sal.

– O Brasil não está em Marte. Está no planeta Terra. Seria ingenuidade pensar que as reservas do pré-sal seriam ignoradas em nome do Meio Ambiente – diz Goldemberg. – Mas ainda há muitas incertezas. Não convém ser ambicioso demais. Desviar recursos de outras soluções energéticas para o pré-sal é o risco que temos de evitar.

Tecnologia para estocar carbono ainda está em teste
O pesquisador avalia que a expansão das hidrelétricas deveria ser prioridade e que a energia eólica deveria ganhar mais atenção. As primeiras representam 13,8% de nossa matriz energética, e a segunda responde por apenas 3,5%, ao lado de energia solar, óleos vegetais e outras fontes alternativas.

O secretário-executivo do Fórum Brasileiro de mudanças climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, defende que parte dos recursos obtidos com o pré-sal seja usada no desenvolvimento de energias renováveis e de mecanismos que mitiguem o aumento da emissão de CO. O Fórum enviou carta a Lula com a proposta em 2008. Com a pressão do Ministério do Meio Ambiente, a sugestão foi incorporada de última hora ao marco regulatório.

Ontem, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, admitiu que o pré-sal emite mais CO que os campos do pós-sal. Ele ponderou, porém, que do ponto de vista do impacto ambiental, o pré-sal é menos agressivo, por se localizar mais longe da costa e ser mais profundo.

– Do ponto de vista exclusivo do Meio Ambiente, o pré-sal é menos danoso do que aquela exploração mais perto do litoral, porque ele está muito mais longe e muito mais profundo. O que ele é mais agressivo é em emissões de carbono. Aí, realmente, é pior, porque o gás do pré-sal tem três a quatro vezes mais CO do que o do pós-sal. Mas isso não é um impeditivo absoluto. Há tecnologias para isso – disse o ministro, em referência a pesquisas da Petrobras na área de captura e estocagem de carbono.

Conhecida pela sigla CCS (Carbon Capture Stock), a tecnologia consiste basicamente em enterrar gases causadores do efeito estufa no subsolo. A Petrobras tem projetos pilotos na Bacia do Recôncavo, na Bahia, onde já teria enterrado uma grande quantidade de CO. Mas a tecnologia ainda carece de estudos e atualmente seria inviável em larga escala.

Danielle Nogueira e Catarina Alencastro
O Globo