O grande problema do aquecimento global é o carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis, como gasolina, carvão e diesel. Mas o maior obstáculo para a diplomacia climática parece ser mesmo o carbono das florestas, tanto temperadas quanto tropicais. Ninguém sabe muito bem o que fazer com ele no próximo acordo internacional de combate à mudança climática, que deverá ser assinado no fim do ano em Copenhague, na Dinamarca.
A questão do carbono florestal permeia várias das discussões fundamentais sobre o futuro da Convenção do Clima e do Protocolo de Kyoto. Tanto os países desenvolvidos quanto os que estão em desenvolvimento – principalmente os tropicais, como o Brasil – querem que o carbono embutido na matéria orgânica de suas florestas seja valorizado de alguma forma no acordo final de Copenhague. Só que não há consenso à vista sobre como fazer isso.
A categoria técnica usada para tratar do tema dentro da convenção é chamada “uso da terra, mudança de uso da terra e atividades florestais”, que em inglês abrevia-se LULUCF (e pronuncia-se, carinhosamente, lulu-ce-efe). Ela inclui emissões e absorções de carbono relacionadas à agricultura, desmatamento, manejo florestal e outras atividades não ligadas ao uso de combustíveis fósseis.
Os países desenvolvidos querem saber como o carbono de LULUCF será levado em conta no cálculo das cotas de emissão para o próximo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, que começa em 2013. Os números podem variar significativamente, para mais ou para menos, dependendo da metodologia. Um dos mais interessados no tema é o Canadá. As emissões do país aumentam consideravelmente quando LULUCF é incluído na conta para o ano-base do protocolo, que é 1990. Por isso, o Canadá propõe que suas reduções para o futuro sejam baseadas no ano de 2006.
O país argumenta que suas emissões provenientes de LULUCF em 1990 resultaram de “distúrbios naturais” (não antropogênicos ou não causados pelo homem), como incêndios florestais e infestação de florestas por besouros.
“São distúrbios altamente imprevisíveis e variáveis ano a ano, mas que afetam diretamente nossa linha de base”, disse o representante da delegação canadense em Bonn, na Alemanha, onde os países signatários da Convenção e do Protocolo estiveram reunidos na semana passada numa conferência preparatória para a cúpula de Copenhague. Ele pediu novas regras para LULUCF que permitam fazer uma distinção entre emissões antropogênicas e naturais. “Não estamos preparados para assumir um compromisso definitivo (de redução de emissões) enquanto as regras sobre LULUCF não estiverem claras”, declarou, também, a delegação da Nova Zelândia.
Hoje, as regras permitem que os países contabilizem áreas de floresta “manejada” (como parques nacionais e outras áreas protegidas) como uma fonte de absorção de carbono – o que ajuda a balancear o cálculo de suas emissões. “Ora, se vamos contabilizar as reduções, certamente temos de contabilizar também as emissões”, rebateu o representante de Tuvalu, em resposta ao Canadá.
DESMATAMENTO – Os países em desenvolvimento, por sua vez, querem que a conservação dos estoques de carbono florestal (leia-se redução do desmatamento) seja valorizada como uma forma de mitigação (leia-se redução de emissões) pelos países desenvolvidos. Mas há divergências também sobre como isso deve ser feito.
Aí entram as discussões sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). Alguns países, como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos, querem que o REDD entre para o mercado de carbono como um mecanismo compensatório, o que permitiria aos países desenvolvidos debitar de suas emissões domésticas o carbono que deixou de ser emitido pela redução do desmatamento em países em desenvolvimento, via financiamento de projetos ou compra direta de créditos no mercado.
Outros, como o Brasil e a União Europeia, querem que o REDD funcione apenas como um mecanismo de financiamento não compensatório, pelo qual os países desenvolvidos poderiam financiar projetos de proteção florestal, mas não obter créditos de carbono por isso (mais informações sobre REDD nesta página). “Entendemos que o financiamento para o combate ao desmatamento e para conservação deverá vir de várias fontes, incluindo fontes de mercado. Mas favorecemos as soluções que tragam maior integridade ambiental para o sistema climático”, disse o chefe da delegação brasileira em Bonn, Luiz Figueiredo.
A Colômbia, por outro lado, é a favor do REDD compensatório para projetos de desmatamento evitado no Protocolo de Kyoto. “O mercado proporciona uma garantia maior de demanda no longo prazo”, disse ao Estado a representante do Ministério do Meio Ambiente colombiano, Andrea García-Guerrero. Se for um mecanismo voluntário de financiamento, diz ela, o dinheiro poderá fluir num primeiro momento, enquanto o tema está “quente”, mas não haveria garantia de sustentação dos investimentos.
OBRIGAÇÃO DOMÉSTICA – Essa é outra briga que promete complicar um aperto de mãos em Copenhague: quanto do esforço de mitigação deverá ser feito via reduções domésticas e quanto deverá ser feito via compra de créditos no mercado.
Os países em desenvolvimento querem que o esforço maior de reduzir emissões seja feito pelos países desenvolvidos. “O mercado não alcançou nada em benefício do clima. É só uma transferência de responsabilidade”, disse o representante de Tuvalu. Uma proposta é de que seja estabelecido um limite sobre quanto das metas dos países desenvolvidos poderá ser abatida via créditos compensatórios – ou seja, via reduções feitas em outros lugares.
NÚMEROS
2,5% das emissões globais de carbono têm origem no desmatamento da Amazônia, segundo Gilberto Câmara, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) 160 milhões de toneladas é a atual média anual de emissões de gás carbônico por desmatamento no Brasil