“Nem uma petroleira mais! Mais empresa é igual a mais pobreza”, disse o indígena quéchua Denis Pashanasi, porta-voz das comunidades da Província do Alto Amazonas, quando liderava o bloqueio da estrada entre as cidades de Tarapoto e Yurimaguas, na região (Estado) de San Martín, na Amazônia peruana, ao longo da semana passada.
A 600 km dali, em Bágua Grande, já na região do Amazonas, o aguajuna Sugkip Yagkikat repetia a palavra de ordem. E acrescentava: “As petroleiras que já estão aqui terão de se acertar com a gente”.

Os dois -integrantes de duas das 60 etnias da Amazônia peruana- fizeram parte do mais coordenado protesto das comunidades indígenas da selva na história recente do país, cujo ponto de inflexão foi um violento confronto entre polícia e manifestantes com ao menos 34 mortos, na região de Bágua Grande, no começo do mês.

A mobilização obrigou o governo conservador do presidente Alan García a recuar de sua agenda mais ambiciosa para a Amazônia: um pacote de leis pró-investimentos agrícola, petroleiro e mineiro na selva, que os índios rejeitavam por não terem sido consultados -à margem da legislação internacional, ratificada pelo Peru- e no qual identificaram ameaça a suas terras ancestrais, muitas delas não tituladas.

Sob pressão, Lima aceitou a revogação de dois importantes decretos e acordou negociar todos os demais nessa semana. O pacote fazia parte de cem decretos baixados por García em 2008, para ajustar as leis do país ao Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA.
A julgar pela complexidade das leis em debate, a instância de diálogo tem um longo caminho pela frente. As declarações dos líderes indígenas mostram ainda que o conflito é mais profundo.

Eles prometem barrar a entrada de novas petroleiras na área, quando 72% da Amazônia peruana já está sob concessões delas, quase todos os lotes sobrepostos a terras indígenas.

Desconfiança
O governo também terá de lidar com a resistência da população não indígena. Uma visita a três cidades da região mostra que os manifestantes não têm apoio unânime em sua demanda, mas tampouco estão sozinhos na desconfiança dos projetos de desenvolvimento do governo para a selva, principalmente em relação a atividades extrativistas.

Moradores das cidades de Bágua Grande, Tarapoto e Yurimaguas afirmaram querer desenvolvimento e investimento privado na região, mas duvidam da capacidade do governo de reverter o dinheiro em bem-estar e de fiscalizar o impacto ambiental causado pela ação das empresas.

“Olha o que aconteceu em Catarmarca [região andina mineira]. Quanta contaminação… Ou aqui na região vizinha. Mesmo com as petroleiras, a população foi esquecida”, disse Juan Luiz Campos, 40, vendedor e estudante de zootecnia em Yurimaguas.

O histórico de problemas ao qual a população se refere aparece no monitoramento de conflitos compilado pela Defensoria do Povo do Peru, a ouvidoria nacional. Dos conflitos listados em maio, 53% são ligados a temas socioambientais. Destes, 70% são reclamações relacionadas à atividade mineradora, espalhada principalmente pela região da cordilheira dos Andes.

Para completar o quadro de descrença, apesar da intensiva exploração mineira nas últimas décadas, a serra tem o maior índice de pobreza do país.

A advogada em direito ambiental Lila Barrera-Hernández, da Universidade de Calgary (Canadá), que acompanha a dinâmica da indústria petroleira peruana, afirma que as empresas do setor devem se preparar para um ambiente cada vez mais hostil no país e culpa o unilateralismo do governo García pela escalada da situação. Ela não avalia a sobreposição de lotes a territórios indígenas como um mal em si, apesar de reconhecer problemas nas experiências já existentes.

Flávia Marreiro
Enviada Especial a Tarapoto, Yurimaguas e Bágua Grande (Peru)