Com sentimento anti-indígena surgindo na eleição peruana, o chef Gastón Acurio defende o “patriotismo gastronômico” com a cozinha “nueva andina”

Poucas horas depois da vitória do esquerdista Ollanta Humala no primeiro turno da eleição peruana, domingo passado, xingamentos racistas tomaram conta da internet, redes sociais e jornais peruanos. “Índio de merda” e “cholo” foram alguns dos epítetos lançados contra Humala, que é indígena.
O superchef Gastón Acurio foi um dos primeiros a protestar contra essa onda de intolerância no Peru, em sua página no Facebook.
E Acurio deixa claro que, caso a situação política no Peru piore, não vai deixar barato. “A situação está péssima”, disse o chef à Folha. “Quando surgem vozes racistas, nós, os cozinheiros, somos os primeiros a sair nas ruas para protestar.”
Humala vai disputar o segundo turno no dia 5 de junho contra a direitista Keiko Fujimori. Ela é filha do ex-presidente Alberto Fujimori, atualmente cumprindo pena de 25 anos de prisão.
Acurio está longe de ser um simples cozinheiro -é uma lenda viva no Peru. Ele popularizou a cozinha peruana ao redor do mundo e ajudou a transformá-la em uma das mais admiradas.
Com a chamada cozinha “nueva andina”, ele pôs no dicionário ingredientes como o rocoto, espécie de pimentão picante, e o ají, um chili. Tem restaurantes em dez países. Em julho, abre em Nova York. No ano que vem, promete um Astrid & Gastón, seu restaurante mais gourmet, no Rio de Janeiro.
“Os peruanos têm muito orgulho de sua cozinha, trata-se de um rito de libertação para um país acostumado a ser exportador de matérias-primas, terceiro mundo, a ser importador de cultura”, diz.
“Estamos usando a cozinha no Peru como Mandela usou o rúgbi na África do Sul, para unir o povo.”
Como contraponto ao racismo, Acúrio prega o “patriotismo gastronômico”. A emergência da cozinha peruana faz parte de um movimento de patriotismo gastronômico que está se espalhando pela América Latina, diz.
“Precisamos deixar de olhar para a Europa e começar a usar nossos ingredientes, nossas ideias.” No Brasil, Alex Atala, que aposta nos ingredientes amazônicos, seria um expoente dessa nova cozinha, diz. No México, Enrique Olvera, do Pujol.
“É hora de conquistar o mundo usando nossos ceviches (prato feito com peixe cru marinado no limão) e tiraditos (tiras de peixe cru), em vez de tanques”, diz.
A eleição do Peru seria mais um sintoma da necessidade desse mergulho na identidade nacional. “Apesar de ter um dos maiores crescimentos do mundo, o Peru vive apenas meio milagre econômico. Precisamos incluir no crescimento os 30% da população que nunca foram beneficiados.”

fonte: Folha de SP