Vorneis de Lucia
Diretor Nacional de Turismo Rural – CNTUR

“Atrás da porta tem a rua?”. Foi com essa expressão de surpresa que meu filho de três anos me indagou quando mudamos de um prédio para uma casa no interior do Estado. Ele estava acostumado a morar num condomínio e viver suas emoções de criança através da tela da tevê e dos jogos dos computadores. Seu universo, que se restringia àquele local e à escola, passou a ser muito maior quando ele percebeu que atrás da porta tem a rua e tudo de surpreendente que ela tem a oferecer. É da mesma maneira que enxergo a porta que se abre para um Brasil ainda desconhecido – o Brasil Rural. Todos falam das praias e da potência das metrópoles brasileiras. Essas despertam a atenção de turistas e pessoas do mundo todo por sua beleza comprovada, mas representam apenas 30% do nosso território. Portanto, temos inexplorados cerca de 70% que são áreas eminentemente rurais e nunca exploradas pelo turismo. Mas isso vai mudar.

Aqui não falo somente dos hotéis fazenda. Falo de um novo momento que o Brasil Rural merece ter a partir do reconhecimento, em 2009, da CNTUR – Confederação Nacional de Turismo Rural, como entidade patronal. Nela está inserida, entre outras, a Diretoria Nacional de Turismo Rural, da qual sou o responsável. Nessa diretoria o grande desafio é mostrar ao proprietário rural que ele pode ser muito mais do que um produtor agrícola que vende sua produção para grandes redes de supermercados ou pequenos varejos. Ele pode compartilhar esse espaço e conhecimento que tem, ao receber visitantes em sua fazenda, sítio ou criadouro, para permitir às pessoas um retorno ao contato com as coisas da terra, que são tão surpreendentes como as belezas de nossa orla marítima e tão magníficas quanto as nossas metrópoles. Porém, não há preparo ou sequer idéia do que se possa fazer para que esse segmento rural também seja economicamente ativo enquanto espaço de turismo e lazer. Para isso, já temos algumas metas a serem alcançadas a curto, médio e longo prazo.

A primeira delas é disseminar que toda a propriedade rural tem um potencial turístico que deve ser explorado e poderá fazer parte do projeto dessa Diretoria, o qual começa pela qualificação do empresário desse setor. O Brasil inteiro precisa se capacitar. O Senado Federal está para aprovar os “Ss” da CNTur, que culminará na criação do SENATUR – Serviço Nacional de Aprendizagem no Turismo. Mas enquanto isso não acontece, já estamos disponibilizando o primeiro Centro de Qualificação e Gestão do Turismo Rural do País. Esse projeto contará com o apoio de várias universidades para que haja possibilidade de um maior volume de interessados se capacitarem para trabalhar como empreendedor do Turismo Rural.

Veja o caso da Vitivinicultura do Estado de São Paulo. O vinho é o ganha pão de muitos pequenos, médios e grandes produtores que, no passado, não tinham uma infra-estrutura adequada, mas vêm investindo no receptivo do turismo, pois perceberam o valor agregado em seu negócio. Com apoio do SPVinho e de diversas entidades do Governo do Estado, estão conseguindo revitalizar o segmento. Mas há muito ainda por fazer como, por exemplo, o desenvolvimento do circuito enogastronômico, envolvendo não só o vinho mas também seus derivados, a culinária local e a rede hoteleira.

O Turismo Rural deve ter como proposta o retorno à vida campezina, permitir as pessoas visitar a plantação, andar por ela, ver como se colhe, como se planta, conhecer o sistema de controle de pragas e tudo que compõe o universo rural, só conhecido por quem trabalha com isso, mas que pode e deve ser explorado enquanto turismo rural.

Há algumas exigências para que a propriedade possa ser considerada como pólo de turismo rural. A primeira delas: que o turismo não seja considerado como fonte de renda complementar, mas como outro negócio, que merece atenção, infra-estrutura adequada e profissionalismo; obedecer às normas ecológicas, pois ninguém quer visitar uma propriedade degradada, ou que degrade o seu entorno; a propriedade deve estar baseada nos conceitos de agricultura sustentável; a proposta sócio-econômica deve ser “porteira pra dentro e porteira pra fora”, afinal, um empreendido dá certo quando o seu entorno cresce com ele. Outro ponto de fundamental importância está na defesa da cultura local, o estilo de vida, a gastronomia, a música, as danças e o folclore, patrimônio do qual devemos nos orgulhar e permitir que o turista conheça e participe.

É bom esclarecer que aqui não estamos falando de turismo ecológico, turismo de lazer ou turismo de aventura. Todos esses tipos de turismo poderão ser explorados dentro do conceito de Turismo Rural, que é a possibilidade dos proprietários de terras, aqueles que criam peixes, gado, rãs, coelhos, e outros, abrirem suas portas para receber as pessoas, gerando emprego e renda. A partir do reconhecimento da CNTur, os segmentos do comércio, indústria, agricultura e serviços, dividirão sua importância com o segmento de turismo, agora sim reconhecido como um segmento econômico com suas particularidades e importância.

O Brasil é rico. Tem uma biodiversidade tremenda. Portanto, é absolutamente injusto engrandecer a orla brasileira apenas. É injusto que os nossos jovens só conheçam através da televisão, de sua sala com o ar condicionado ligado, a beleza da vida rural ou o esplendor de nossas florestas. Para não sermos mais expectadores de imagens, desta realidade virtual e parcial, mas sim partícipes desse espaço real, é que precisamos abrir as porteiras. Dentro de cada porteira tem um Brasil fantástico para ser conhecido e valorizado.